Relato de um sonho

Estou em um evento e sou chamada para tocar no encerramento. Tem toda minha família assistindo. Aceito, fico feliz de poder participar. No programa, voltado para o período clássico, consta uma sonata de Mozart para clarineta e piano, mas eu tocaria sem um clarinetista. Tudo bem.

Chega perto da minha hora de tocar e procuro desesperadamente minha partitura e não acho. Ok. Aviso aos organizadores do evento que terei que tocar outra coisa. Até aí tudo bem. Pensei: “seria uma ótima oportunidade para bater pela primeira vez duas peças que estou estudando para piano solo”. Ok.

Aproxima-se a hora de tocar, pessoal volta a sentar nos seus lugares, percebo vários pianistas em formação na plateia, escuto longe um som de piano, escalas e oitavas alucinadas. Ok.

No evento tinha dois pianos de armário, um de cauda e vários teclados eletrônicos.

Sou chamada para tocar, me apresentam como Raisa Richter. Entro, cumprimento e vejo o teclado que me disponibilizaram para tocar. Olho para a moça e pergunto se não poderia tocar em algum piano, ela disse que não mais, pois fecharam todos e a ordem era que não se tocasse mais nos pianos. Ok.

Fui em direção ao teclado. Surpresa: era um teclado de computador, com algumas teclas escritas as sete notas musicais. Fiquei atônita. O público esperando. Perguntei onde ficava o sustenido, tentei entender a lógica do teclado. Failed.

Perguntei se tinha outro teclado com teclas de piano (brancas e pretas), falaram que sim. Ótimo. Público esperando. Fui até ele. Quando vi, o teclado parecia uma máquina espacial, 10 mil botões e, onde ficava o teclado de piano? Escondido de um jeito que se conseguia tocar nas teclas, porém não se enxergava as mãos. Espanto. Mentalizei: os cegos tocam piano, finja que não pode enxergar, se guie pelo som. Público esperando e observando.

Tateei o teclado, senti a nota si que inicia a música. Ok. Tentei, consegui dois compassos depois desisti. Minha memória visual me traíra. Vi que não seria possível. Olhei à minha volta, vi os três pianos disponíveis fechados, perguntei mais uma vez à moça se poderia usá-los, ela mais uma vez, seguindo rigorosamente os comandos, disse que não. Disse enfim que infelizmente não seria possível. Ela olhou para o pessoal da produção e fez aquela expressão de negação com o rosto e de término com as mãos.

Olhei para o público, expressões de ponto de interrogação. Finalizava o evento. Senti uma profunda tristeza. Senti que o público necessitava de uma explicação. Falei.

Falei da maneira mais didática possível, mesmo assim, todos foram embora sem entender o que tinha acontecido, e eu com a sensação de inutilidade. Failed.

Voltei para minha família, todos com cara de ponto de interrogação. Perguntei se eles conseguiram ouvir meu discurso, disseram que sim.

Sensação de culpa tomou conta de mim, o público não entendera o que tinha acontecido e meu discurso de nada serviu.

Fiquei me sentindo a covarde por não aceitar tocar às escuras.

 

...

 

Temos a Arte

Temos o público carente da Arte

Temos o chamado interno de se fazer a Arte

Sabemos da importância da Arte

Porém,

Temos problemas burocráticos

Temos problemas de ego

Temos a valorização do que deveria ser desprezado

 

Angústia

Angústia do artista que sabe da importância do seu chamado, mas se vê inútil, desprezado, de mãos atadas.

 

 

Rio de Janeiro, 20 de abril de 2017

Crise gestacional

No dia 27 de setembro de 2018 finalmente consegui memorizar a Sonata para piano n. 3 de Kabalewski inteira (os 3 movimentos) e achei que já estava pronta para a fase 2 de preparação de uma peça musical, que é tocar em púbico. Porém, estava enganada. Tive minha aula de piano da semana e, tentando tocar de memória o 3 º movimento, tive muitos erros, não apenas de nota, mas de concepção da peça.

Comecei o estudo dessa obra no dia 11 de janeiro de 2018, portanto 8 meses e meio de trabalho em cima de uma peça que dura aproximadamente 17 minutos e AINDA não está pronta.

Essa peça teve um plus! Estava tão complexo entender a mentalidade russa (Kabalewski foi um compositor russo do século XX), que só o estudo da partitura não estava sendo suficiente. O que eu fiz? Fui buscar ajuda nas outras Artes e, junto do estudo da Sonata, comecei a leitura do livro Crime e Castigo de Dostoiévski. 

Hoje, já nos finalmentes do livro e da Sonata, minha imaginação vai longe: vejo as machadadas do Raskólnikov no final do desenvolvimento do 1° Mov, vejo a sonhadora Sônia no tema principal também do 1°Mov. Vejo o Marmeladóv bêbado gritando e chorando ao mesmo tempo no 2° Mov. E o 3°? A loucura do almoço fúnebre que Katerina faz para o finado marido...  Só para citar alguns, pois ambos os materiais são riquíssimos. 

Uma coisa é fato: quanto mais se bebe das outras artes, mais completo se torna um artista. 

O estudo de uma obra, portanto, é um trabalho de criação, como uma gestação, ela vai sendo concebida dentro do músico. A escrita musical é apenas um manual que orienta esta gestação e, na maioria das vezes, não é suficiente. Para suprir essa necessidade, o músico deve se debruçar nas outras Artes.

Depois de uma complexa gestação, cabe ao músico trazer a criação ao mundo.

eu ainda devo estar na 20ª semana...

Recital do Phil

Muito feliz e orgulhosa de divulgar o vídeo do recital do meu aluno Philippe Amadei. Ocorrido em novembro de 2016, o Philippe estava com 9 anos de idade e já fazia aula comigo há dois anos.

Neste recital, tivemos de repertório:

Calypso Cat (Phillip Keveren)
Two – Four – Six - Eight (Bill Boyd)

Suíte das Cinco Notas (Lorenzo Fernandez)
I – Despertar
II – Teimosia
IV – Roda
V – Pastoral
VII- Valsinha
VIII – Caminho da Escola

Vôo como o vento (Phillipe Amadei)

As duas primeiras músicas são do Livro 4 do Piano Lessons, método americano do Hal Leonard. Depois tivemos a Suíte das Cinco notas do compositor brasileiro Lorenzo Fernandez, e finalizamos com uma composição própria do Philippe.

Parabéns ao Phil!

Os 10 Mandamentos do Artista

1-      Não ligar o foda-se para coisas realmente importantes

2-     Ligar o foda-se para coisas inúteis e sem importância

3-     Não deixar de viver em prol da sua Arte por desculpas e/ou cobranças de outrem

4-     Acreditar que sua Arte é realmente importante, mais valiosa que qualquer bem material (e imaterial)

5-    Viver num constante auto sacrifício: sacrificar as relações e muitas vezes o corpo 

6-    Não se auto castrar

7-     Não deixar ser castrado

8-     Driblar a burocracia e o sistema, principais fontes castradoras da criatividade

9-     Nunca desistir de sonhar

10-   Ser um espírito livre